CARTA ENTRE AMIGOS II
O universo da procura é mais rico que o da descoberta.
Sentir saudade de alguém é dar sentido á sua existência.
Temos esse poder. O poder de dar significado às pessoas que amamos. O poder de tirá-los do meio da multidão e ajudá-las fraternalmente. Pessoas caídas que precisam de uma mão. Temos duas. Pessoas fragilizadas. Precisam de uma palavra. Temos tantas. E as usamos com tantas imprecisões, com tanto desperdício, que na hora certa acabamos calados, economizando elogios, ternura.
Seria esse o segredo do amor? Quando Vinícios de Moraes brinca de um amor que é apenas chama, portanto se apaga, e conclama que seja imortal apenas enquanto dure, não estaria ele falando de um amor paixão? Fala o poeta em riso e em pranto, em pesar e em contentamento. A paixão não é assim? Barulhenta? Brincalhona?
Quanto menos correspondida, mais sentida? Ou isso é teimosia?
Talvés seja uma discussão semântica desnecessária distinguir amor de paixão. Há quem use paixão como efemeridades de encontros banhados apenas por desejos frementes. Há quem use o amor no mesmo sentido, distinguindo, entretanto, amor ágape de amor eros. Amor que constroe de amor que extingue. Ou esse último não é amor?
A paixão, ou amor eros, é arrebatadora. A história da literatura é recheada de lindos encontros e desencontros de amor.. Desde a tessitura de Penélope aguardando o seu Ulisses, na apologia da fidelidade da mulher aos seu amado ou da mulher a ela mesma, à espera, passando por Eros e Psique e o ciume doentio de Afrodite. Histórias mitológicas que se misturam a histórias reais como a de Dante e Beatriz. Quantas vezes se encontram o genial artesão da palavra e a menina mulher? Três vezes, no máximo. O que importa? Tudo de Dante tinha Beatriz. Desde a primeira pausa da calmaria dos sentidos até o último dia Beatriz viveu em Dante. Como Marilia em Dirceu. Transformados pelo amor, transmutados pelo extase poético dos livros e das teias da vida.
Amores reais ou exagerados em poesia. Marília era a musa inspiradora ou mulher atendida? Amores reais ou sentimentos projetados? O romance da cavalaria de Tristão e Isolda que influenciou tantos outros escritos lacrimejantes de amor começa assim:
Se quiserdes ouvir, gentis senhores, uma história de amor e morte, eis aqui o romance do do cavaleiro Tristão e da sua rainha Isolda, de como os dois se amaram na alegria e continuaram a se amar na tristeza, de como um dia morreram daquele amor, ela por ele, ele por ela.
Há tantas outras perdas. Tantos outros medos. O medo de não ser amado é doloroso demais. É como um botão fechado de flor. Cada vez que se contempla o jardim, vê-se o botão e se tem esperança de que um dia ele haverá de desabrochar. A esperança alimenta a dor. Quanto mais o avido do amor se aproxima, mais sente a resposta dos espinhos. E há tantas flores. Quem sabe por que aquela e não outra foi a escolhida?
Os sorrisos se perdem e o mundo de apequena. Nada mais tem sabor. Os encontros voltam a perder o significado porque só uma mão interessa para ser enlaçada. Os dizeres de tantas vozes carinhosas se perdem. É a surdez da espera de uma única sinfonia que ainda nem tenha sido composta. Projeções.
As pessoas que se apaixonam e não são correspondidas têm esse medo do silêncio que desnuda os sentimentos e edifica o oráculo, a intimidade dos segredos que segregam, quando não há barulho, a parte mais complexa de nossas dores. Fala-se muito para que o silêncio não revele o essencial. É o temor que tem a face embrutecida pela rudeza das opções equivocadas.
É preciso sair do escuro e reecontrar a luz.
É preciso dar tempo. Sobre a beleza de chorar por alguém. De chorar por amor como consciência de estar vivo. Chorar por amor é melhor do que sua ausência. Chorar o tempo certo, depois é preciso viver. Era essa a saberdoria: chorar o tempo certo! O tempo da compreensão de que o outro não nutre por mim os mesmos sentimentos.
Não há amor eros quando apenas um ultrapassa a margem do rio. O banho não é solitário. E não é inteligente jogar água em quem não quer se molhar.
Este jeito de amar quem não merece.
Eu insisto em ver as margens
Quando vês o coração
A margem faz com que julguemos na superficialidade de nossos pseudoencontros. Conhecemos e não gostamos ou conhecemos e já nos apaixonamos perdidamente como se não houvesse vida sem a pessoa que ontem chegou. Não importa se já vivemos trinta, quarenta, ou cinquenta anos sem esse encontro. A partir dele tudo se transformou. Ilusão!
O medo de não ser amado é recorrente em um mundo pouco preocupado com os sentimentos alheios.
Há tanta gente cheia de beleza que se perde à beira do caminho à espera desse suposto amor. Enfeitam-se diante das negativas de seus desejos, diminuem-se diante da morte de suas aspirações. Trata-se de feridas dolorosas, remexidas, de uma corrosão da autoestima. Deixam de lado o viço da juventude ou de qualquer idade para esperar. E a travessia fica sem sabor.
Aos amantes não amados, não um conselho, mas um intento amoroso. Abandonar as roupas usadas e ousar novos caminhos. É um desperdicio deixar o burburinho interminável da teimosia, roubar a preciosidade da solidão e do silêncio. Não há por que ter medo. É bom ficar a sós e reconstruir com as pedras e enfeitar com flores os sobrados que se desmancharam por aí. Talvez não fique igual. Talvez seja melhor que nasça diferente. As comparações podem ser corrosivas do metal nobre da escultura em modelagem ainda frágil. Não há pessoas iguais nem sentimentos iguais. Há novas tentativas, novas formas de descobrir e dar significado a um rosto que só era multidão.
Gabriel Chalita e Pe. Fábio de Melo. Carta entre amigos.
Sentir saudade de alguém é dar sentido á sua existência.
Temos esse poder. O poder de dar significado às pessoas que amamos. O poder de tirá-los do meio da multidão e ajudá-las fraternalmente. Pessoas caídas que precisam de uma mão. Temos duas. Pessoas fragilizadas. Precisam de uma palavra. Temos tantas. E as usamos com tantas imprecisões, com tanto desperdício, que na hora certa acabamos calados, economizando elogios, ternura.
Seria esse o segredo do amor? Quando Vinícios de Moraes brinca de um amor que é apenas chama, portanto se apaga, e conclama que seja imortal apenas enquanto dure, não estaria ele falando de um amor paixão? Fala o poeta em riso e em pranto, em pesar e em contentamento. A paixão não é assim? Barulhenta? Brincalhona?
Quanto menos correspondida, mais sentida? Ou isso é teimosia?
Talvés seja uma discussão semântica desnecessária distinguir amor de paixão. Há quem use paixão como efemeridades de encontros banhados apenas por desejos frementes. Há quem use o amor no mesmo sentido, distinguindo, entretanto, amor ágape de amor eros. Amor que constroe de amor que extingue. Ou esse último não é amor?
A paixão, ou amor eros, é arrebatadora. A história da literatura é recheada de lindos encontros e desencontros de amor.. Desde a tessitura de Penélope aguardando o seu Ulisses, na apologia da fidelidade da mulher aos seu amado ou da mulher a ela mesma, à espera, passando por Eros e Psique e o ciume doentio de Afrodite. Histórias mitológicas que se misturam a histórias reais como a de Dante e Beatriz. Quantas vezes se encontram o genial artesão da palavra e a menina mulher? Três vezes, no máximo. O que importa? Tudo de Dante tinha Beatriz. Desde a primeira pausa da calmaria dos sentidos até o último dia Beatriz viveu em Dante. Como Marilia em Dirceu. Transformados pelo amor, transmutados pelo extase poético dos livros e das teias da vida.
Amores reais ou exagerados em poesia. Marília era a musa inspiradora ou mulher atendida? Amores reais ou sentimentos projetados? O romance da cavalaria de Tristão e Isolda que influenciou tantos outros escritos lacrimejantes de amor começa assim:
Se quiserdes ouvir, gentis senhores, uma história de amor e morte, eis aqui o romance do do cavaleiro Tristão e da sua rainha Isolda, de como os dois se amaram na alegria e continuaram a se amar na tristeza, de como um dia morreram daquele amor, ela por ele, ele por ela.
Há tantas outras perdas. Tantos outros medos. O medo de não ser amado é doloroso demais. É como um botão fechado de flor. Cada vez que se contempla o jardim, vê-se o botão e se tem esperança de que um dia ele haverá de desabrochar. A esperança alimenta a dor. Quanto mais o avido do amor se aproxima, mais sente a resposta dos espinhos. E há tantas flores. Quem sabe por que aquela e não outra foi a escolhida?
Os sorrisos se perdem e o mundo de apequena. Nada mais tem sabor. Os encontros voltam a perder o significado porque só uma mão interessa para ser enlaçada. Os dizeres de tantas vozes carinhosas se perdem. É a surdez da espera de uma única sinfonia que ainda nem tenha sido composta. Projeções.
As pessoas que se apaixonam e não são correspondidas têm esse medo do silêncio que desnuda os sentimentos e edifica o oráculo, a intimidade dos segredos que segregam, quando não há barulho, a parte mais complexa de nossas dores. Fala-se muito para que o silêncio não revele o essencial. É o temor que tem a face embrutecida pela rudeza das opções equivocadas.
É preciso sair do escuro e reecontrar a luz.
É preciso dar tempo. Sobre a beleza de chorar por alguém. De chorar por amor como consciência de estar vivo. Chorar por amor é melhor do que sua ausência. Chorar o tempo certo, depois é preciso viver. Era essa a saberdoria: chorar o tempo certo! O tempo da compreensão de que o outro não nutre por mim os mesmos sentimentos.
Não há amor eros quando apenas um ultrapassa a margem do rio. O banho não é solitário. E não é inteligente jogar água em quem não quer se molhar.
Este jeito de amar quem não merece.
Eu insisto em ver as margens
Quando vês o coração
A margem faz com que julguemos na superficialidade de nossos pseudoencontros. Conhecemos e não gostamos ou conhecemos e já nos apaixonamos perdidamente como se não houvesse vida sem a pessoa que ontem chegou. Não importa se já vivemos trinta, quarenta, ou cinquenta anos sem esse encontro. A partir dele tudo se transformou. Ilusão!
O medo de não ser amado é recorrente em um mundo pouco preocupado com os sentimentos alheios.
Há tanta gente cheia de beleza que se perde à beira do caminho à espera desse suposto amor. Enfeitam-se diante das negativas de seus desejos, diminuem-se diante da morte de suas aspirações. Trata-se de feridas dolorosas, remexidas, de uma corrosão da autoestima. Deixam de lado o viço da juventude ou de qualquer idade para esperar. E a travessia fica sem sabor.
Aos amantes não amados, não um conselho, mas um intento amoroso. Abandonar as roupas usadas e ousar novos caminhos. É um desperdicio deixar o burburinho interminável da teimosia, roubar a preciosidade da solidão e do silêncio. Não há por que ter medo. É bom ficar a sós e reconstruir com as pedras e enfeitar com flores os sobrados que se desmancharam por aí. Talvez não fique igual. Talvez seja melhor que nasça diferente. As comparações podem ser corrosivas do metal nobre da escultura em modelagem ainda frágil. Não há pessoas iguais nem sentimentos iguais. Há novas tentativas, novas formas de descobrir e dar significado a um rosto que só era multidão.
Gabriel Chalita e Pe. Fábio de Melo. Carta entre amigos.
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